VER E DAR A VER
De Clara Menéres
Inauguração, no dia 21 Maio, pelas 18h00, MAEDS

Patente ao público de 21 Maio a 24 de Setembro

Sobre a exposição:

VER E DAR A VER

A Arte é uma desocultação, uma revelação. Quando abordo um tema o que me interessa é a surpresa da descoberta, a aquisição do saber, o partilhar do conhecimento novo, obrigar o outro a ir para além do olhar. Em resumo, é o ver e o dar a ver.

Para se conhecer uma obra de arte é preciso assimilá-la e digeri-la, se possível com todos os sentidos: ver, ouvir, cheirar, apalpar, saborear e, finalmente, possuí-la. É o que sempre fiz, e faço-o pelo modo como os artistas trabalham. Gosto de conhecer o espírito da obra percorrendo o mesmo trajecto do autor, apropriando-me pelo desenho da sua matéria. É uma forma de aprendizagem mais eficaz, rápida e directa que a aproximação intelectual. A razão não descortina todas as subtilezas de uma obra de arte.

A exposição compõe-se de quatro núcleos com obras que foram dadas a conhecer pela primeira vez no norte do país.
1.       A mais antiga é o tríptico D(EU)S que integrou uma exposição colectiva na Fundação de Serralves, “Porto 60/70: os artistas e a cidade”, comissariada por João Fernandes e Fátima Lambert, em 2001.
2.       Os desenhos sobre o Tratado das Drogas foram mostrados ao público numa exposição individual em 2012 na Casa de Juste, Lousada.
3.       O Diagrama da Decomposição esteve presente na mostra “Cinco Séculos de Desenho da Colecção  FBAUP” no Museu Soares dos Reis, Porto, em 2012.
4.       Finalmente, as condecorações da Ordem Fazer do Saber são um projecto recente nunca antes exposto.
Esta mostra reúne um conjunto obras que revelam diferentes incidências da minha investigação no campo das Artes Visuais.
     
Lisboa, Abril de 2016
Clara Menéres

MATERIALIZAÇÕES DO PROCESSO CRIATIVO

Só em 1987 conheci directamente a escultora Maria Clara Menéres, nessa data uma já destacada criadora no panorama artístico português. Com invulgar percurso de abertura ao Exterior em ambiente nacional tendencialmente autárcico, Clara Menéres havia concluído doutoramento em Etnologia na Universidade de Paris VII, no ano de 1983; a sua residência em Paris remonta, aliás, a 1978, enquanto bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. Mas é indispensável recuar ainda mais no tempo, para nos aproximarmos do extraordinário universo criativo de Clara Menéres, que de forma muito própria se estruturou precocemente através de intensa intervenção artística onde se fundem a actividade de investigação/ensino (Faculdade de Belas-Artes de Lisboa a partir de 1971; professora catedrática até 2007 na Universidade de Évora), com a de produção artística, dando lugar a exposições regulares desde a década de 60. Paralelamente, a escultora não abdica da práctica de cidadania activa, defendendo publicamente os princípios da equidade de género, da liberdade de pensamento e acção religiosa e política. Hoje, a afirmação destes princípios poderá parecer banal, mas durante os anos de Resistência ao Estado Novo, em que Deus, Pátria e Família não se discutiam, as intervenções de Clara Menéres desencadearam tempestades na calmaria estagnada do regime. A título de exemplo, refira-se a escultura “hiper-realista” de um soldado morto usando a farda da guerra colonial, intitulada Jaz Morto e Arrefece o Menino de sua Mãe. Apresentada em 1973 na Sociedade Nacional de Belas Artes, no auge da contestação à guerra colonial, esta é quiçá a obra de arte mais emblemática da intervenção artística de contestação à primavera marcelista.

Da sua extensa obra em espaços públicos, sublinho o Monumento ao Poder Local, erigido no Pragal, no município de Almada.

Na presente mostra, a artista revela-se na obra D(eu)s, e nesse (des)alojamento, ocupa decididamente a esfera do controlo do conhecimento e da acção; através de notável realização estética, refunda, assim, o pensamento de todos os “Renascimentos” da Humanidade, reclamando para o Ser Humano liberdade e responsabilidade na condução da sua própria existência.

Sobre a cultura marítima e a heroica aventura das navegações portuguesas, a exposição Ver e Dar a Ver integra um bloco de trabalhos de revisitação dos registos do botânico Cristóvão da Costa, que mostraram à Europa de quinhentos uma nova e espantosa flora.

Cuidou Clara Menéres de incluir na exposição de Setúbal dois outros momentos e temas que atravessam a sua reflexão. Refiro-me à Ordem Fazer do Saber, elogio da inteligência e sabedoria das mãos, ou seja, do trabalho manual/ técnico, em geral subestimado, e ao Diagrama da Decomposição, mergulhando nas águas profundas da alquimia, que agora podemos referir também aos resultados da pesquisa contemporânea, nomeadamente a desenvolvida pelo neurocientista António Damásio. Àquela imagem subjaz o conceito de criação holístico e complexo de Clara Menéres, onde a racionalidade e inteligência emocional se entrosam em casamento feliz.

A presente exposição possui uma vertente imaterial de questionamento filosófico para a qual a artista nos adverte: “é necessário ir para além do olhar”. De viva voz, a autora deixa-nos a chave para entrar nessa dimensão, complementando as materialidades que o processo criativo configura e que na longa diacronia inexoravelmente se perde. O caminho fica aberto no MAEDS para um momento de marcante fluidez comunicacional.


Prof.ª Doutora  Joaquina Soares






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