Dois sismos marcaram profundamente a vida do aglomerado urbano de Setúbal durante a Idade Moderna: de 1531 e o de 1755. A par da documentação historiográfica, um programa de investigação arqueológica da responsabilidade do MAEDS, tem vindo a revelar a verdadeira dimensão económica, social e cultural destes eventos naturais.
Sismo 1531
Este sismo constituiu-se como a descontinuidade maior que separa o aglomerado medieval da “nova cidade” renascentista, aberta ao próspero comércio internacional por via marítima, entretecido pela Expansão e pelo dinâmico mercantilismo do Norte da Europa, burguês e protestante.
O centro político-administrativo e económico medieval localizado na Ribeira/Praça do Castelo (actual Largo da Ribeira Velha) deu lugar a uma nova centralidade urbana, renascentista, localizada na Praça do Sapal; o provável caos social provocado na vila pelo sismo terá facilitado, pois, a intervenção transformadora do poder régio. Entre 1526 e 1537 D. João III ordenou uma profunda renovação urbanística da área do Sapal, viabilizada na sua magnitude pela intensi-dade do sismo. O humanista Garcia de Resende deixou-nos um relato sobre este sismo que as evidências arqueológicas confirmaram (Rua Augusto Cardoso, 69).
Sismo 1755
O terramoto de 1 de Novembro de 1755, que diversos autores consideram “fundador da memória” contemporânea das catástrofes coloca em confronto a filosofia religiosa e as teorias físicas, nas quais o racionalismo iluminista do Marquês de Pombal legitimou a sua acção política pronta e eficaz de reconstrução urbana.
Esta ocorrência natural foi também a grande fronteira que separou o mundo do Antigo Regime da Nova Europa liberal onde germinava a preparação das Revoluções Francesa e Industrial.
Com uma magnitude de grau 10, em Lagos, e de grau 8,5-9 em Lisboa e Setúbal, associado a tsunami de 15m na costa algarvia e de 6m em Lisboa, terá tido a sua origem na escarpa de falha do “carreamento do Marquês de Pombal” (a sudoeste do Cabo de S. Vicente).
Se as descrições deste sismo por quem as viveu são impressionantes, as evidencias arqueológicas proporcionadas pelas intervenções na Rua Álvaro Castelões e Largo António Joaquim Correia não o são menos. Podemos imaginar o solo a abrir-se e a cobertura a abater-se do tão robusto imóvel barroco do Largo António Joaquim Correia ou o incêndio que se seguiu ao sismo devastando irremediavelmente o edifício de habitação e loja de uma família da média / pequena burguesia setubalense da Rua Álvaro Castelões.
Refira-se um extracto da expressiva descrição do padre Manoel Portal, citado por Francisco Luís Pereira de Sousa em 1928 “A Villa de Setubal entre todas foy a que mais padeceo. Quasi a metade da Villa, que he das mayores do Reyno, ficou raza com a terra e tambem para se parecer em tudo nos infortunios com os de Lisboa houve nella fôgo, e se queymou huma rua o mar derrubou as muralhas, e entrou pela Villa, e pello campo quasi hum quarto de legoa e meteo dentro das ruas os barcos. No Campo do Senhor do Bomfim, que he mayor, que o terreyro do Paço, rebentarão dez olhos de agua. A freguesia de São Julião veyo a terra, e matou muita gente. Tambem cahio o collegio dos Padres da Companhia o mesmo infortunio succedeo ao Convento das Freyras Dominicas, morrendo algumas Religiosas. As de Jesus tiverão grande ruina no Convento [...]”.
Organização: Associação dos Arqueólogos Portugueses
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