PEÇA DA SEMANA



PENDENTE DE XISTO GRAVADO
DO PERÍODO ROMANO-REPUBLICANO DE CHIBANES

Deixámos para o final da rubrica Peça da Semana, que agora termina com a abertura do MAEDS no próximo dia 2 de Junho, um objecto não estandardizado, de cunho muito pessoal e execução naif cuja real decifração ficará talvez para sempre no domínio das hipóteses, face à impossibilidade de aceder aos códigos de representação gráfica de um presumível legionário, provavelmente hispano, que estacionou em caserna do fortim romano-republicano de Chibanes, mais propriamente no Compartimento T16, algures entre 110 e 72 a. C. (C.3B). Abandonado ou perdido, este pendente havia sido gravado com estilete ou punção metálico de ponta romba em ambas as faces de pequeno seixo rolado com perfuração bicónica destinada à sua suspensão. No anverso existe a representação de um feixe de elementos que irradiam de um ponto central o qual, em termos gerais, nos sugere padrão iconográfico de escudo romano. No reverso parece existir a representação, muito esquemática, de pequena embarcação de vela latina. Em ambas as composições parecem ter sido incluídos como elementos decorativos (?) caracteres de línguas paleo-hispânicas, ainda em estudo pelo Prof. José António Corrêa da Universidade de Sevilha.
Mas que caminhos terá percorrido este legionário antes de chegar a Chibanes? Foi então necessário atender à natureza petrográfica do suporte.  O  Prof. Paulo Emanuel Fonseca, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, admitiu tratar-se de um xisto grafitoso da formação do Paraíso da zona de Aljustrel, antiga Vipasca. Um percurso de Vipasca a Chibanes passando por Salacia adquire verosimilhança.
A biografia dos objectos contém a biografia dos seus fazedores para lá da ambiguidade dos símbolos.
J. S.


ENGRAVED SCHIST PENDANT OF CHIBANES
ROMAN-REPUBLICAN PERIOD

For this weeks museum “Piece of the week” rubric, which now ends with the opening of MAEDS on the next 2nd of June, we bring you a non-standard object, with a very personal mark and a naïf style execution whose real interpretation may always stay in the domain of the hypothesis, due to the impossibility of accessing the codes of graphic representation of a presumed legionary, probably Hispanic, who was established at the Roman republican fortified camp of Chibanes. This finding was collected in the residential area of ​​the military camp, more specifically in the T16 compartment, which layer 3B had been dated between 110 and 72 BC. Abandoned or lost, this pendant was engraved with a blunt tip stylus or metal punch at the two faces of this small pebble with a biconic perforation intended for its suspension. At the obverse there is a representation of a set of elements that radiate from a central point that suggests an iconographic pattern of the Roman shield. On the other side (reverse) there seems to be a very schematic representation of a Roman sailing vessel. In both compositions, paleo-hispanic characters seem to have been introduced, probably with a purely decorative character, although they are being studied by Prof. José António Correa from the University of Seville.
But what paths did this legionary take before arriving in Chibanes? It was then necessary to take in account the petrographic nature of the support. Prof. Paulo Emanuel Fonseca, from the Faculty of Sciences of the University of Lisbon, admitted that this was a graphite schist from the Paraíso geological formation in the Aljustrel area, near to the formerly Vipasca roman mines. A journey from Vipasca to Chibanes passing through Salacia acquires verisimilitude. The biography of objects contains the biography of their creators beyond the ambiguity of its symbols.

Bibliografia:
Soares, J.; Tavares da Silva, C.; Duarte, S.; Pereira, T. R.; Sorìa, V. (2019) - Aspectos da presença militar romano-republicana no Castro de Chibanes (Palmela). Revista Portuguesa de Arqueologia, 22, p. 70-93.

Tavares da Silva, C.; Soares, J.; Duarte, S.; Pereira, T. R.; Coelho-Soares, A.; Sorìa, V. (2019) - Castro de Chibanes (Palmela). Trabalhos arqueológicos de 2012 a 2017. In J. Soares, I. V. Pinto, C. Tavares da Silva (coord.), Do Paleolítico ao Período Romano Republicano. Actas do IX Encontro do Sudoeste Peninsular (Setúbal Arqueológica, 18), p. 215-246.
http://maeds.amrs.pt/informacao/setubalarqueologica/setubalarqueologica18/19_Chibanes.pdf


PEÇA DA SEMANA



Vasos funerários da Idade do Bronze médio.
Meados do 2º milénio BC
Necrópoles de cistas da região de Sines


Os recipientes cerâmicos representados foram encontrados nas escavações arqueológicas de necrópoles de cistas da região de Sines. As peças de colo estrangulado imitam modelos metálicos e acompanhavam os mortos de elevado estatuto social, depositados em decúbito lateral e posição flectida dentro de  caixas pétreas, onde a terra supostamente não entraria,  protegidas por tumulus e agregadas em cemitérios. Estes recipientes integram-se na chamada Cultura do Bronze do Sudoeste que se desenvolveu no Sul de Portugal, na Andaluzia e Extremadura espanhola. Aqueles contentores funerários são datados de meados e terceiro quartel do 2º milénio BC (1500-1250 cal BC) e correspondem a uma fase de retoma do desenvolvimento demográfico, económico e social do Sudoeste da Península Ibérica, após a crise da Idade do Bronze antigo, em que esta região terá estado submetida a exploração pelo Estado de El Argar. Exploração que acabaria por cessar com o colapso daquele centro de poder e pela emergência das suas antigas periferias.

Funerary pottery of the Middle Bronze Age
Mid 2nd millennium BC
Cist necropolis of the Sines region

The ceramic containers represented were found in the archaeological excavations of several cist necropolis  in the region of Sines.  Ceramic forms with strangled neck imitate metallic models and accompanied the dead of high social status, deposited in lateral decubitus and flexed position in stone boxes, where the earth supposedly would not enter, protected by tumulus and aggregated in cemeteries. This pottery is dated to the mid and third quarter of the 2nd millennium BC (1500-1250 cal BC), and integrates the Southwest Bronze Age Culture, which  encompassed the South of Portugal, Andalusia and Spanish Extremadura. The Southwest enters in a phase of economic and social recovery after the collapse of its strongest  neighbor, the State of El Argar.

J.S.

PEÇA DA SEMANA


VASO DE CERÂMICA IMPRESSA DO NEOLÍTICO ANTIGO (2º quartel do VI milénio BC). VALE PINCEL I (SINES)

Este é o recipiente cerâmico mais antigo encontrado no actual território português. Proveio de uma lareira da macro-aldeia neolítica de Vale Pincel I (Sines), debruçada  sobre o Atlântico, e datada por radiocarbono a partir de amostra de carvão de vida curta: Beta-164664 - 6740±40 BP (5720‐5569 cal BC, a 2 sigma). De corpo ovóide e base plana, provido de 2 pegas mamilares perfuradas, apresenta pasta muito grosseira e decoração impressa a punção de extremidade romba, sugerindo sementes de cereal. A acidez do solo não permitiu a conservação de provas directas da agricultura. Porém, o estudo traceológico da utensilagem em sílex comprovou a existência de característicos elementos de foice com lustre de cereal. Escavações dirigidas por Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares.

J.S.

Pre-Cardial pottery with impressed and plastic decoration from the earliest Neolithic Portuguese macro-village located at Vale Pincel I (Sines), facing the Atlantic shore. The fireplace where the recipient was found has been dated by radiocarbon in the 2nd quarter of the VI millennium cal BC. Because of the acidity of the sediments, organic materials were scarcely preserved. However the microscopic analysis of the use-wear traces on flint bladelets revealed many lithic tools used for the harvesting of crops. The archaeological excavations were carried under the direction of Carlos Tavares da Silva and Joaquina Soares.

Bibliografia/bibliography: Tavares da Silva, C.; Soares, J. (2015) - Neolitização da costa sudoeste portuguesa. A cronologia de Vale Pincel I. Actas do 5º Congresso do Neolítico Peninsular. Lisboa: Uniarq, p. 645-659.

Soares, J.; Mazzucco, N.; Clemente-Conte, I. (2016) - The first farming communities in the Southwest European Coast: A traceological approach to the lithic assemblage of Vale Pincel I. Journal of Antropological Archaeology, 41, p. 246-262.